Um dos mais talentosos pianistas do mundo, Nelson Freire morreu nesta semana e foi sepultado na cidade. Prefeitura de Boa Esperança busca tombamento de terreno onde pianista Nelson Freire nasceu
Boa Esperança (MG) poderá ganhar em breve um centro cultural em homenagem ao pianista Nelson Freire, que morreu nesta semana e foi sepultado na cidade. O músico foi enterrado no túmulo onde os pais dele também estão enterrados, no cemitério municipal.
O centro poderá ser construÃdo no terreno onde existia a casa onde Nelson Freire morou na cidade. O casarão foi demolido há alguns anos pelo atual proprietário e agora a prefeitura vai tentar uma negociação para que ele seja adquirido pelo municÃpio.
"Esse é um sonho antigo da nossa istração desde que assumimos sobre a possibilidade da gente reerguer a antiga casa onde nasceu o nosso lendário Nelson Freire e agora se estreita mais, nós estamos trabalhando ainda mais agora depois desse trágico acidente", disse o prefeito de Boa Esperança, Hideraldo Henrique (MDB).
Segundo o prefeito, a intenção é chegar a um acordo com o proprietário, mas não está descartada uma desapropriação.
Corpo de Nelson Freire desfilou no caminhão dos Bombeiros e depois foi enterrado em Boa Esperança (MG)
Déborah Morato/EPTV
"Nós vamos pelos caminhos legais tentar de forma legal e amistosa, mas se não houver o interesse por parte do proprietário, o municÃpio está disposto a desapropriar, porque é um bem do interesse público, que está ligado à cultura não só do nosso municÃpio, mas está ligado à cultura da música erudita no mundo", disse o prefeito.
A intenção da prefeitura é fazer com que o centro se torne uma referência para todo o estado.
"Nós precisamos reconstruir o imóvel, mas dentro nós temos que ter o museu, com uma escola de música, virar um centro de referência cultural não só para Boa Esperança, mas para Minas Gerais, Nelson Freire fazia questão de falar que era de Boa Esperança e mineiro", disse Hideraldo Henrique.
O prefeito também disse que tem intenção de levar a música erudita para dentro das escolas do municÃpio.
Corpo do pianista Nelson Freire chega ao Sul de Minas, onde será enterrado
Festival Internacional de Música/Divulgação
A morte do pianista
O pianista Nelson Freire morreu aos 77 anos em decorrência de uma queda na própria casa, no Joá, na Zona Oeste do Rio. O corpo do músico já havia sido velado nesta terça-feira (2) no Theatro Municipal do Rio de Janeiro. O velório foi no palco onde ele se apresentou diversas vezes. A última, há três anos.
O corpo de Nelson seria sepultado no Memorial do Carmo, no Caju, mas parentes decidiram que o enterro será realizado em Boa Esperança (MG), terra natal do músico, no mausoléu da famÃlia.
Carreira começou cedo
Mineiro de Boa Esperança, nascido em 18 de outubro de 1944, Nelson Freire começou a tocar piano aos 3 anos de idade, vendo a irmã estudar o instrumento. Dois anos depois, ele fez seu primeiro recital, no Teatro Municipal de São João Del Rei.
Naquela noite, os pais se preocuparam que ele dormisse antes da apresentação e fizeram questão de massagear as mãos dele para afastar o frio.
O talento de Nelson o levou à Europa com 12 anos para estudar com os melhores professores. Com 15, ele dava seus primeiros concertos.
Consagrado pela crÃtica europeia, Nelson se apresentou com as melhores orquestras do mundo e se tornou um dos grandes intérpretes de Beethoven. Ele também era conhecido por ser um grande intérprete de Chopin.
Durante décadas, Nelson se recusou a fazer gravações. Para ele, a música só acontecia ao vivo, diante do público. A partir de 2001, ele começou a lançar grandes discos, como o dedicado à obra de Debussy. Ele também fez interpretações da obra de Villa-Lobos.
Nelson Freire se apresenta ao lado da Filarmônica de Minas Gerais em Boa Esperança
Samantha Silva / G1
Nelson Freire teve na pianista argentina Martha Argerich sua grande amiga e parceira artÃstica, com quem fez várias turnês e onde se apresentou em peças de dois pianos.
Nelson Freire nunca parou de estudar. ava a maior parte do tempo em casa, sozinho, se exercitando e desenvolvendo a técnica que o tornou um dos maiores pianistas dos séculos 20 e 21.
Em 2003, o cineasta João Moreira Salles lançou um documentário sobre a vida e a obra de Freire. O filme mostra a rotina e as turnês mundiais do maior pianista brasileiro de seu tempo. O público conhece a infância, os primeiros acordes e os sacrifÃcios feitos pela famÃlia.
O longa está disponÃvel no Globoplay.
Recital no cinema
Pianista Nelson Freire volta ao palco onde fez seu primeiro concerto
Em 2012, ele voltou ao palco de São João Del Rei onde fez seu primeiro concerto, após 62 anos (relembre acima).
A apresentação, no Projeto Música no Museu, teve lugares disputados e também foi exibida em um cinema da cidade.
"É uma demonstração de carinho enorme, uma coisa muito tocante. Fico muito agradecido, emocionado em pensar que eu estive aqui há 62 anos. É um o enorme, uma vida", disse na ocasião.
Livro sobre pianista Nelson Freire é lançado em Belo Horizonte
Em 2015, o escritor Ricardo Fiúza lançou um livro sobre a vida e obra de Nelson Freire. Os dois eram amigos desde os anos 1950. O resultado de mais de 20 anos de trabalho se transformou no livro "Nelson Freire: a pessoa e o artista".
"Com cinco anos de idade, ele escutava a irmã mais velha tocar. Ela saÃa do piano. Ele subia devagarinho, com muito cuidado, e tocava o que ela acabou de tocar", contou Ricardo Fiúza.
Entre as comendas e distinções recebidas por Nelson Freire, destacam-se as de Cidadão do Rio, Cavaleiro da Ordem do Rio Branco, Medalha Pedro Ernesto, Cavaleiro da Legião de Honra da França, Comandante de Artes e Letras da França, Medalha da Cidade de Paris e da Cidade de Buenos Aires, além do tÃtulo de doutor honoris causa da Faculdade de Música da UFRJ.
Orquestra juvenil do Rio acompanha ensaio de Nelson Freire
Em 2018, jovens da Orquestra Sinfônica da Baixada Fluminense acompanharam um ensaio do pianista no Theatro Municipal. Ele afirmou que tocar no Brasil era especial.
"É diferente. Eu tenho que fazer um esforço para me concentrar. Além da emoção de estar aqui, onde estive tantas vezes. A primeira vez que eu pisei neste palco foi em 1953", disse Nelson.
Ele falou sobre a importância da cultura para a formação dos jovens.
"O médico cuida do seu corpo, o professor te educa e o artista alimenta o seu espÃrito. E são três coisas que não são valorizadas no Brasil, infelizmente. Ver aquelas crianças saindo de um ambiente de balas perdidas, de violência, de miséria, é bom. E o meu sonho é ver este teatro cheio dessas crianças", disse Nelson.
Imprensa internacional destaca morte do pianista Nelson Freire; veja repercussão
Capa do álbum 'Encores', de Nelson Freire
Divulgação
Em 2019, quando completou 75 anos de vida e 70 anos de carreira, Freire lançou no dia do seu aniversário, em 18 de outubro, o disco "Encores".
No mês seguinte, o pianista levou um tombo ao tropeçar em uma calçada de pedras portuguesas na altura do Posto 3, na Barra da Tijuca, na Zona Oeste do Rio. O músico fraturou o braço e ou por uma cirurgia no Hospital Copa D"Or, em Copacabana, na Zona Sul.
Desde então, ele nunca voltou a gravar ou a se apresentar em público.